"Maridos, amai as
vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela. Ele quis
torna-la santa, purificando-a com o banho da água unida à Palavra.” (Ef 5, 25).
Hoje, se faz sentir de
maneira premente a necessidade de uma maior clareza no que diz respeito à
espiritualidade conjugal. O crescimento do número de divórcios é apenas um dos
fatores que nos faz refletir sobre tal demanda e é precisamente por isso que
nos propomos uma breve reflexão sobre o referido tema.
O
FUNDAMENTO DA ESPIRITUALIDADE CONJUGAL
O livro do Gênesis nos
apresenta com contornos poéticos a criação dos nossos primeiros Pais, Adão e
Eva. Ao relatar a criação do homem antes da mulher, o autor sagrado nos remete
ao problema da solidão originária.
Esta solidão, sentida por Adão no paraíso, é descrita pelo autor sagrado como
sendo uma espécie de defeito de fabricação: “não é bom que o homem esteja só.”
(Gn 2,18). Deus nos é apresentado como alguém que, ao criar, vai tentando
acertar, ou seja, vai tentando corrigir este aparente erro da solidão humana.
Entretanto, os estudiosos nos revelam por detrás de tal narrativa há uma intenção
teológica que impele o autor sagrado.
A solidão de Adão não é
uma espécie de ‘defeito de fábrica’, mas uma realidade pensada, querida e
criada por Deus. É isso mesmo: Deus criou o homem e pôs no seu coração uma
solidão que nenhuma realidade criada foi capaz de satisfazer. Esta solidão é,
enfim, saciada, apenas em parte, pela mulher criada por Deus. Adão ao vê-la
eleva a Deus uma oração de ação de graças: “esta sim é osso dos meus ossos e
carne da minha carne. Ela será chamada mulher (ishá), pois foi tirada do homem (ish).”.
A solidão originária, reiteramos, é criada por Deus. E com que finalidade? É precisamente por conta de sua solidão que Adão inicia uma marcha, uma busca: a ausência no seu ser é experimentada como vazio ou saudade. Este é o fim para o qual a solidão originária foi criada: fazer com que o homem encontre-se com um próximo e com o seu Criador, sendo Este a única pessoa capaz de saciar o seu coração criado para o infinito.
MATRIMÔNIO,
FIGURA DO AMOR DE CRISTO POR SUA IGREJA
O Sacramento do Matrimônio, pelo qual os nubentes se unem e se tronam uma só carne por toda a vida, é sinal e figura do amor de Cristo por sua Igreja. São Paulo recomenda aos maridos, na carta que escreve aos Efésios, que estes devem “amar as suas esposas do mesmo modo como Cristo amou a sua esposa e por ela se entregou” (Ef 5,25). Amar um ao outro com o mesmo amor de Cristo: eis aqui toda a nobreza do matrimônio!
O conceito de amor, hoje, demasiadamente reduzido à esfera do sentimentalismo, necessita ser redescoberto em toda a sua amplitude. A citação da Carta de São Paulo aos cristãos da cidade de Éfeso refere-se ao modo de amar próprio de Cristo. Diz-se que Ele amou a sua Igreja e por Ela se entregou. Amor de entrega: eis aí o tipo de amor com que os casais são chamados a amar-se mutuamente!
Na sua primeira carta,
São João escreve sobre o amor que Deus tem pela humanidade, dizendo: “nisto
consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e
enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados!” (I Jo
4,10). Segundo a epístola de João, o amor de Deus é uma realidade que sempre
precede qualquer amor humano e, além disso, toda forma de amor parece ter sua
origem no reconhecimento deste fato fundamental, a saber, “Deus nos amou por
primeiro”. O reconhecimento do amor de Deus por nós purifica o amor humano e o
ordena.
Talvez, a esta altura,
o leitor se interrogue sobre o modo de reconhecer este amor prévio de Deus em
sua vida. É simples: quando lançamos um olhar nas páginas do Novo Testamento,
sobretudo nos Evangelhos, e recordamos as diversas fases da vida de Cristo,
desde a sua encarnação até o sacrifício da Cruz, mais facilmente nos damos
conta desse amor. O próprio Paulo, diante do mistério da cruz, se dá conta
desta realidade e exclama: “Ele me amou e por mim se entregou.” (Gl 2,20).
Aqui, Paulo descobre um nexo que existe entre o acontecimento da cruz e a sua
própria pessoa.
A cruz é, portanto, a
expressão máxima do amor de Deus pelos seres humanos. Na cruz, este amor
torna-se visível. Aqui, além de tudo o que já foi dito, compreendemos uma faceta
do conceito de ‘amor’: a entrega! O amor não é mero sentimentalismo, mas uma
doação e entrega.
Retomemos o tema da espiritualidade conjugal, agora, iluminado por este conceito de amor. Quando, Paulo, na carta aos Efésios, recomenda que os maridos devem amar as esposas como Cristo amou a Igreja e por ela se entregou, compreende-se a que tipo de amor são chamados os cônjuges: um amor de entrega. Entregar-se por outra pessoa, exige sempre um certo esquecimento de si, uma abnegação. Deus, segundo o que nos diz o Apóstolo Paulo, não poupou o seu próprio Filho, ou seja, não poupou em última instância a si mesmo. Deus, portanto, esqueceu-se de si por amor a nós.
Partindo do princípio acima citado, compreendemos que o amor possui uma dimensão pascal: quem ama sempre experimenta uma certa morte de si mesmo (abnegação). Entretanto, seguindo a dinâmica pascal, esta morte de quem ama possui feições de sacrifício do qual brota o suave e agradável odor da ressurreição. Há nesta abnegação uma fecundidade que é verificável em diversos aspectos da vida do casal que realizam esta experiência: filhos, maturidade afetiva, amizades duradouras, capacidade de relacionamentos diversos.
Enfim, é preciso dizer
que um amor como este não está somente na esfera da capacidade humana. Se este
amor é próprio de Cristo, nós só o possuímos como dom. Diante desta experiência
deveríamos nos sentir insuficientes e incapazes quando o tema a que nos
referimos é o amor. Assim sendo, a nossa atitude é a de súplica: é preciso
pedir a Deus que derrame em nossos corações o seu amor, ou seja, o seu próprio
Espírito Santo.
* Por Pe. Elton Santana dos Santos - Coordenador da Pastoral Vocacional da Arquidiocese de Salvador.
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